O memorável bondinho e o trajeto exclusivo dos barões da Fazenda Santa Úrsula
- Tomaz de Aquino
- há 1 dia
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Camila Barbosa de Oliveira, neta do Barão de Ataliba Nogueira escreveu uma obra chamada “Águas Passadas” (1956) onde descreve a genealogia de seus avós Barões. Ela passou sua infância na Fazenda Santa Úrsula, em Jaguariúna e narra duas coisas que lhe fizeram especial memória: o bondinho e o trem. O Barão de Ataliba Nogueira com outros barões do Café criaram a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro em 1873 para fazer o transporte do café de toda a região. Ele foi presidente da ferrovia por 18 anos. Nos porões da sede de sua fazenda chegava um bondinho particular para a família viajar para Campinas.
Esta condução era trazida até a Estação do Jaguary e era engatado no comboio que o levava, neste carro particular, até Campinas. Era puxado a burro da fazenda até à primeira estação do Jaguary de 1875. Mas havia um outro bondinho com dois bancos e com três lugares cada.

Numa bitola de setenta centímetros, mais ou menos, estendiam-se os trilhos. Através dele havia uma diversão da infância muito especial que nunca se apagou da mente daqueles que nele passearam e brincaram. Era puxado por um burro muito manso e quem o conduzia era o paciente Antônio Pequeno, apesar de ter um metro e oitenta de altura.
Este condutor estava sempre atento para transportar os visitantes da sede da fazenda até à primeira estação da Mogiana para embarcar. Este trajeto coincidia, em parte com o atual caminho de terra que chega à Santa Úrsula, um caminho de memórias e histórias que deve ser preservado.
Era uma avenida de paineiras e paus d’alho. No verão, conta Camilota, neta dos Barões, as flores cor de rosa misturavam-se ao cheiro forte das frondosas árvores. A maior emoção do passeio era a forte adrenalina causada numa curva fechada, numa subida onde a criançada torcia para que o bondinho apressado descarrilasse.

Pediam a Antônio Pequeno que houvesse forte emoção. Numa empatia com a alegria da meninada o experiente acertava depois o veículo nos trilhos com o manso animal. Logo depois vinha uma ponte seca construída de fortes troncos de madeira de lei. Era um viaduto em cima da linha ferroviária.
Alegria extrema e gritaria quando coincidia passagem do bondinho em cima e do trem embaixo. Descendo da ponte seca, outro ponto despertava em todos misto de emoção e medo. Os trilhos do bondinho seguiam paralelos aos trilhos do trem da Mogiana ao passarem sobre a ponte ambas as conduções sobre o rio Jaguari.
Ou passava o trem ou o bondinho. Ambos não podiam chegar juntos! Não haveria espaço.
Normalmente os temerosos desciam e o condutor do animal atravessava sozinho. Para a meninada aquilo era uma festa. Para os adultos, não! Eles ficavam de olho fixo no sinaleiro que era o pau de sinal levantado e indicava “alerta” para não passar. Era passagem perigosa e arriscada com trilhos tão próximos. Mas todos todos recorriam aos Santos para vigiar o bondinho e o trem ao mesmo tempo.

O TREM VAI PASSAR Da sede da Santa Úrsula com varandas e vistas paradisíacas, cercada por jardins floridos, uma outra atração memorável era ver o trem passar. O solar dos barões, apinhado de netos em férias, era agitado com a passagem do trem. Todos queriam dar adeus aos viajantes da Maria Fumaça.
Tomavam lenços e guardanapos e acenavam aos passageiros. Muitos retribuíam agradecendo os votos de boa viagem. Era grande a alegria de todos. Em meio ao ruído dos infantes, em meio aos pitos e repreensões dos adultos, é perene como a relva brotar atitudes sensíveis de humanidade no coração da infância.
Passados muitos anos, as crianças daquela época perguntaram-se por que desapareceram o bondinho, o trem de passageiros, a ponte seca de madeira, as rosas, os jasmins, as paineiras, os paus d’alhos, a primeira estação do Jaguary? Por que os homens varrem as memórias e a história de uma cidade?

📷 Todas as fotografias publicadas nesta coluna são selecionadas por Josí Rosana Panini: especialista em gestão de documentos históricos e preservação de acervos textuais, fotográficos e iconográfico da Casa da Memória Pe. Gomes, de Jaguariúna-SP.
Ótima matéria e perfeita indagação “Por que os homens varrem as memórias e a história de uma cidade?”