Resistência e Memória: Jaguariúna celebra suas origens negras
- Gustavo Santos

- há 1 dia
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O Jaguar relembra a importante presença dos negros na formação de Jaguariúna, celebrando neste Mês da Consciência Negra histórias de resistência, fé e trabalho que ajudaram a construir a cidade.
Por trás de nomes de ruas, antigas fazendas e lembranças contadas entre gerações, estão personagens que enfrentaram o peso do tempo e da escravidão com dignidade e coragem.
São famílias que, entre rezas, samba, suor e solidariedade, escreveram capítulos fundamentais da memória negra jaguariunense.
Entre essas trajetórias estão as famílias Matheus Santana, Matapasto (Inácio), Deolindo e Malachias — símbolos da presença negra que moldou a identidade social, cultural e espiritual da antiga Vila de Jaguary. As informações sobre as famílias foram consultadas na Casa da Memória Padre Gomes de Jaguariúna, junto ao professor e coordenador do acervo, Tomaz de Aquino Pires.
Família Matheus Santana: a voz da ancestralidade e do samba

Filho de escravizados, José Matheus Santana, conhecido como Zé Carrero, foi vendido da Bahia para a Fazenda Vila Bueno, onde viveu as duras marcas da escravidão. Libertado pela Lei Áurea, José carregava no corpo as cicatrizes dos castigos, mas também o orgulho de ter sobrevivido.
Viveu até os 114 anos e se tornou símbolo de sabedoria e alegria — reunia crianças e familiares para contar histórias e cantar sambas nas margens do Rio Jaguari, próximo ao antigo matadouro.
Sua esposa, Dona Djanira Roque de Souza Santana, era cozinheira requisitada nas sedes das fazendas de café, conhecida por seus banquetes de leitoa e peru assado em casamentos na Vila. A família viveu na “Rua de Baixo”, atrás da Estação Velha da Mogiana — território hoje desaparecido com a urbanização, mas vivo na lembrança de gerações.
Família Inácio – Matapasto: fé, cura e o dom do benzimento

Maria Roque de Souza, irmã de Djanira, era a conhecida Dona Maria Matapasto, benzedeira do centro da Vila. Descalça, de lenço branco na cabeça e coração aberto, benzia crianças, curava com orações, água e brasas, e acolhia quem batia à sua porta. Sua casa simples, de chão batido e telhas moldadas à mão, era lugar de fé e esperança.
Seu filho, Antônio Carlos Inácio, herdou o apelido “Matapasto” — dado por seu patrão da Fazenda Santa Úrsula, impressionado com seus passos largos e destreza sobre os cavalos. Figura popular, exímio cavaleiro, fazia acrobacias na Praça Umbelina Bueno e encantava a todos com suas montarias. Seu nome e sua imagem ficaram gravados na história de Jaguariúna como símbolos de liberdade e alegria.
Família Deolindo: ferreiros, músicos e mestres do ofício

Deolindo Gabriel de Souza, ferreiro de ofício, instalou sua ferraria na Rua Holanda, próximo ao cemitério, ainda na primeira metade do século XX. Viúvo, casou-se com Dona Januária Maria da Conceição, e juntos criaram filhos talentosos — ferreiros habilidosos, músicos afinados e cantores de bailes no antigo Cine Odeon. Produziam enxadas, foices e ferramentas que abasteciam a cidade.
A família também levava a música para as tardes de domingo, quando, após a missa das dez, Jaguary se embalava ao som de seus instrumentos e vozes.
Família Malachias: raízes de fé, trabalho e esporte

A história da Família Malachias começa com o negro Modesto, nascido na Fazenda Atibaia, e segue com seu filho Nazário Malachias, benzedor e homem de fé, que viveu até os 109 anos. Nazário casou-se com Almerinda Moraes e fixou raízes na Fazenda Jaguary, que se tornou Fazenda Santa Úrsula.
Seu descendente, José Malachias, foi ferroviário da Companhia Mogiana, benzedor e curandeiro muito procurado pela população de Jaguariúna e região. Curava o corpo e o espírito, com ervas, palavras e fé.

Os filhos de José – Moacir, Francisco, Rubens, Roberto, Geraldo e Odair – tornaram-se nomes marcantes no esporte local, jogando pelo União Esportiva Jaguariense. Até hoje, seus netos e bisnetos mantêm viva essa herança de força e superação no atletismo.
Os invisíveis que moldaram a cidade

Outras figuras também compõem essa teia de resistência negra: Juliana Dionísio dos Santos, zeladora e pasteleira das festas de São Sebastião; Eva Telles Pereira, benzedeira; Leonilda Diogo, lavadeira; Miguel do Carmo, o Miguelão, homem simples e generoso que rachava lenha pelos quintais do Jaguary; e Amadeu (foto acima), que se dizia “o homem mais rico do mundo”, sentado entre flores na Praça Central.
Cada um deles, com sua simplicidade, trabalho e fé, foi parte da história que hoje reconhecemos e celebramos.

As fotos foram selecionadas por Josí Panini, especialista em gestão de documentos históricos e preservação de acervos textuais, fotográficos e iconográficos da Casa da Memória Padre Gomes








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