Análise: rodovias são território hostil para os ciclistas
- Gustavo Santos
- 18 de mai.
- 4 min de leitura

Em meio ao crescimento do uso da bicicleta como meio de transporte e lazer, especialmente nas regiões metropolitanas e em rotas turísticas, a segurança dos ciclistas nas rodovias brasileiras ainda é uma questão crítica e pouco debatida de forma efetiva. Estradas sem acostamento adequado, ausência de sinalização, falta de infraestrutura e desrespeito por parte de motoristas compõem um cenário de alto risco.
Para entender melhor os desafios enfrentados por quem pedala nas rodovias do País, O Jaguar conversou com a arquiteta e urbanista Fernanda Buga, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Jaguariúna (UniFAJ).
Com mais de 10 anos de experiência em projeto urbano e docência, Fernanda é mestre em Requalificação Urbana pela PUC-Campinas e tem se debruçado sobre mobilidade urbana e seus impactos nas cidades e na qualidade de vida.
Na entrevista, ela fala sobre a precariedade da infraestrutura, a falta de clareza na legislação, os riscos enfrentados por ciclistas nas estradas e o que ainda precisa ser feito para transformar a realidade da mobilidade cicloviária no Brasil.
O bate-papo coloca em debate o acidente que vitimou, na Rodovia SP-340, em Campinas, de um ciclista de 42 anos, tragédia que provocou comoção entre parentes e amigos e que gerou discussão nas redes sociais sobre a circulação de bikes nos acostamentos das estradas. O atropelamento aconteceu no feriado de 1º de Maio e ele morreu, no hospital, dias depois.
O Jaguar – Como você avalia a segurança dos ciclistas nas rodovias atualmente no Brasil?
Fernanda Buga – Esse é um tema que vem ganhando destaque nos últimos meses e gerando bastante discussão. Atualmente, a segurança dos ciclistas nas rodovias brasileiras é bastante precária, e a legislação permite diversas interpretações. A maioria das rodovias não conta com acostamentos adequados ou infraestrutura específica para o tráfego de bicicletas. Além disso, há carência de sinalização apropriada e de fiscalização, o que expõe os ciclistas a riscos constantes, especialmente em vias com tráfego intenso e alta velocidade.
O Jaguar – Quais são os principais fatores de risco enfrentados pelos ciclistas nas rodovias?

O Jaguar - A legislação atual oferece proteção suficiente aos ciclistas que utilizam rodovias? FB – A legislação reconhece o direito de circulação dos ciclistas em rodovias que possuam acostamentos e, na ausência destes, permite que utilizem o bordo da pista, sempre no sentido da via. Contudo, por ser pouco específica em alguns pontos, a interpretação das regras muitas vezes fica a critério do agente de trânsito, o que pode gerar conflitos — como no caso recente do ciclista impedido de seguir viagem ao Litoral. Na prática, sabemos que a construção de ciclovias ao longo de todas as rodovias do País é inviável em curto prazo. Por isso, o ideal seria uma fiscalização mais efetiva, campanhas educativas tanto para motoristas quanto para ciclistas, e a melhoria da infraestrutura já existente, de modo a permitir o cumprimento da lei com mais segurança. O Jaguar – Que tipo de infraestrutura seria ideal para garantir mais segurança aos ciclistas em rodovias?
FB – No cenário ideal, o recomendado seria: implantação de ciclovias segregadas e contínuas ao longo das rodovias; acostamentos largos, pavimentados, bem conservados e sinalizados; passagens seguras e bem iluminadas em interseções e acessos; instalação de pontos de apoio em trechos longos (com paradas, bebedouros e áreas de descanso). No cenário real e considerando a urgência das mudanças, medidas como a limpeza e conservação dos acostamentos; melhor iluminação em pontos críticos e campanhas de conscientização e respeito no trânsito já trariam um impacto positivo imediato na segurança.
O Jaguar – O que falta para que as rodovias brasileiras (ou locais) sejam mais seguras para o tráfego de bicicletas?
FB – Faltam principalmente: planejamento integrado de mobilidade que reconheça o ciclista como usuário legítimo da via; investimentos em infraestrutura adequada para o tráfego seguro de bicicletas; leis mais claras e objetivas, com diretrizes específicas para cada tipo de via; fiscalização efetiva para garantir o cumprimento das normas de trânsito; campanhas educativas voltadas para motoristas e ciclistas; incentivos ao uso da bicicleta como meio de transporte sustentável e seguro, inclusive fora dos centros urbanos. O Jaguar – Existem políticas públicas eficazes voltadas à segurança de ciclistas em rodovias? Pode citar exemplos?
FB – Existem algumas iniciativas pontuais, como o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que inclui a bicicleta como meio de transporte; algumas rodovias estaduais que passaram a incluir acostamentos cicláveis e ciclovias, como a Rota Márcia Prado, que liga São Paulo a Santos; e rotas turísticas adaptadas ao cicloturismo, como o Caminho da Fé, Caminho das Frutas, Circuito das Araucárias, Circuito Costa Verde & Mar, Caminhos do Xixá, entre outras. Apesar dessas ações, elas ainda são isoladas e carecem de uma política nacional contínua, ampla e articulada. A segurança dos ciclistas ainda não é tratada como prioridade em boa parte do planejamento rodoviário. É necessário um esforço conjunto dos governos federal, estaduais e municipais, com investimentos, educação e fiscalização para garantir um ambiente seguro e acessível aos ciclistas.
O Jaguar – Como você enxerga o futuro da mobilidade por bicicleta em áreas intermunicipais ou rodoviárias?
FB – O futuro da mobilidade por bicicleta em áreas intermunicipais e rodoviárias é promissor, especialmente diante da valorização crescente da mobilidade sustentável, do cicloturismo e da busca por um estilo de vida mais saudável. No entanto, para que esse futuro se concretize, é essencial que existam políticas públicas consistentes, investimentos em infraestrutura, e uma mudança cultural que reconheça e valorize o transporte por bicicleta além do espaço urbano. O avanço das bicicletas elétricas também amplia as possibilidades de deslocamento por longas distâncias, tornando essa forma de mobilidade ainda mais viável, eficiente e atrativa.
Comments