Nadar no Rio Jaguary era doce - por Tomaz de Aquino Pires

O Grupo Escolar Cel. Amâncio Bueno funcionava em dois períodos diurnos. Aqui havia apenas o Curso Primário, do 1º ao 4º ano, só. Um grupo de alunos preferia estudar no matutino, pois disporia de longa tarde para voar como pássaros pelos recantos da pacata Vila. Fazíamos de pronto as tarefas de casa que trazíamos da Escola para apresentá-las à Prof.ª na manhã seguinte. As famílias do centro mandavam almoço aos alunos no período de recreio. Terminado o compromisso diário com a escola às doze horas, digestão do almoço já feita, discretamente, sem que os pais notassem saíamos com um “shorts” ou calção debaixo das fraldas da camisa em direção à ilha do Viana. Havia meia dúzia de ilhotas descendo, após a ponte da Maria Fumaça, abaixo do antigo Matadouro. Este ficava no fim da Rua Maria Ângela, ali no Berlim. Leito de rio pedregoso com espaço livre e raso para nadar no fim da Rua Gal. Gomes Carneiro. Era doce sentir aquele ar puro da paisagem ribeirinha que encantava o corpo e o espírito. Arvoredo e bambual à beira do rio. Estávamos prontos a entrar n’água. Nada melhor. Não existiam piscinas, nem clube social na época. Os adolescentes e jovens já se aventuravam a nadar no Jatobazeiro. Lá o rio era largo, aberto e tornava-se perigoso para os meninos. Grande jequitibá além de dois jatobazeiros adornavam as margens do rio. Os grandes recomendavam para nós não irmos lá. Diziam: "Lá não dá pé! E só para quem nada bem". Muitos se lançavam da ponte vermelha, primeira ponte ferroviária de 1875, chamada, hoje, “Pedro Abrucês”. Mergulhavam por entre pedras que por lá existem.

Nós, meninos, aprendíamos a nadar na primeira Ilha chamada do Viana. Há uns 50 metros adiante havia roda d´água que movimentara moinho no início do século XX. Pertenceu ao subprefeito Francisco F. C. Viana, político republicano, empresário de sucesso, com moinho de fubá, beneficiamento de arroz, farinha de mandioca.
A ilha era conhecida como a Ilha do Viana. Algumas lavadeiras, às vezes, iam lá lavar a roupa. Algumas lavadeiras tinham uma tábua própria à beira do rio chamado banco onde ensaboavam e batiam a roupa. E os meninos, ali nadavam. Debaixo da ponte nova da Maria Fumaça, víamos sempre D. Bela Ribeiro, tradicional lavadeira. Seu banco ficava às margens do rio de águas limpas. Não dispunha de água encanada em casa. Ela caminhava descalça pela rua equilibrando, na cabeça, grande mala de roupa. Caminhávamos por entre as ilhas, com cuidado, pisando o leito e pedras, íamos atravessando várias delas. Às vezes recolhíamos as sementes arredondadas de cor vermelha e preta da árvore “olho de cabra”. Não sabíamos que era tão rara. Ninguém deve ter cuidado dela. Talvez já tenha desaparecido e, hoje, ilustra apenas livros de botânica.

O Rio Jaguary de águas cristalinas, caudaloso e piscoso, até os anos 1960 fez parte do lazer do povo da cidade, assim como as suas pontes. Por eles havia passeios, flertes, namoricos, risadas, passeios de barco, muitas pescarias.
Nas enchentes a população passeava pelas pontes para observar o rio que transbordava muito além de sua calha. . A água chegava próxima das pontes em grande correnteza e junto à água barrenta desciam bois e porcos boiando e toda sorte de criações, plantas e entulhos arrastados dos quintais ribeirinhos. A água debaixo dos antigos pontilhões da Mogiana, na rua Cândido Bueno, chegava próxima a um metro de altura. Neste ponto fica, atualmente a rotatória e sobre ela passa a nova ponte do trem turístico. Nos anos de 1970 criou-se o Sistema Cantareira e as águas do Jaguari, Atibainha, Cachoeira e Jacarezinho foram represadas para abastecer a Grande São Paulo. Empobreceu-se a Bacia do Piracicaba e nunca mais ocorreram aquelas enchentes que a ela assistíamos até a juventude. Com o progresso das indústrias, poluiu-se o Rio Jaguary e todos os demais. Ninguém mais se banhou, nem neles pescou. Que pena!
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