Os Casarões: usos e costumes da Vila - por Tomaz de Aquino Pires

Lembro-me agora do casarão da Florianópolis, alicerces em pedra e porões muito altos e ventilados em todas as laterais para conservar as vigotas e os assoalhos. Madeira de lei. Quando eram lavadas, as senhoras tiravam as brasas do fogão a lenha, deitavam-nas em uma tampa de latão. Cobriam-nas com galhos de eucalipto perfumado e jogavam colheradas de açúcar sobre eles.
A fumaça expulsava os insetos e pernilongos e ,incensando, perfumava a casa. Este cheiro da infância inunda uma vida inteira. Manhãs em que a saída da cama era surpreendida pela faina materna do torrar do café no quintal. O torrador era girado manualmente em uma trempe por sobre o fogo donde desprendia singular aroma, quando se verificava o ponto do mesmo.
Os grãos torrados eram moídos na cozinha, a água fervente aguardava o pó. Degustava-se o café com o pão caseiro coberto com a nata do leite... Nos quartos havia móvel em madeira nobre entalhado com várias gavetas encimado por uma pedra de mármore, geralmente de Carrara, com espelho de cristal bisotado. Eram os lavatórios. Sobre elas usava-se jarro e bacia de porcelana pintada ou de prata.
Havia cômodas com gavetões de carvalho, imbuia. Guarda-roupas e Camiseiras de cerejeira, Bancos de jacarandá. Madeira de lei, maciça, com perfume que repelia o cupim. Mobília austríaca, móveis de cana da Índia com palhinha. Nos casarões antigos mais simples da vila, em geral, até meados do século XX, não havia banheiro interno. Eles foram construídos posteriormente.
Sanitários internos possuíam as casas com reservatórios cuja água chegava através de bomba manual ou de motor elétrico, então a água era canalizada. Construía-se banheiro anexo ao casarão. Nessas casas em que não havia chuveiro elétrico, aproveitava-se o aquecimento do fogão a lenha. No local onde se queimava a lenha, em suas laterais passavam-se voltas de cano de ferro que conduzia a água quente ao chuveiro. Nas demais casas, puxava-se a água do poço, com a força dos braços, manualmente, girando.
Aquele cilindro de madeira ou de ferro com manivela onde se enrolava a corda, subindo o balde cheio de água. Havia, além do rancho do poço, latrinas construídas por sobre fossas negras, no fundo dos quintais. Uma ou outra casa possuía geladeira importada no começo da década de cinquenta. Geralmente “Frigidaire”.
Apareceram os primeiros fogões a querosene, depois a gás “Bertoni”, “Cosmopolita” substituindo, aos poucos, o fogão a lenha. Geladeiras e os citados fogões foram generalizando-se no final dessa década de 1950, aqui, no novo município. Geladeira popular “Clímax”. Toda família adquiria um pinguim de louça ou uma fatia de melancia colorida para enfeitar a geladeira, com toalha de crochê ou similar tecida em casa.
A iluminação pública era feita com lâmpadas incandescentes de fraca luminosidade. Os postes com braços de luz eram de ferro. Depois surgiram aqueles de tronco de eucalipto tratados com óleo para maior durabilidade. Quando se recolhia para dormir, ouvia-se o ciciar dos insetos, o tique-taque do relógio da sala, o soar do sino da igreja, o apito do trem noturno. Aspirava-se o perfume dos manacás e das damas-da-noite.
Havia muitas árvores, pouco espaço calçado, dormia-se com portões baixos destrancados. Tudo concorria para a chegada de sono tranquilo. Cruzávamos as mãos e rezávamos um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. Os Pais rezavam o rosário no quarto, antes de dormir.
Nas casas era comum haver um oratório com os santos da devoção, em dias especiais de novena acendia-se a lamparina com óleo de cozinha. Nossa mãe vinha beijar-nos e arrumar-nos na cama, prender os arranjos debaixo do colchão e nos dizia: "Durma com todos os anjinhos e santinhos do céu!”.

Tomaz de Aquino Pires, professor e coordenador da Casa da Memória Padre Gomes, de Jaguariúna.
Onde encontro nas livrarias de Jaguariuna ?